23 abril 2006

cinematographique #01


Caminhar pelas ruas de uma cidade histórica é deixar-se levar pela nostalgia e pelos encantos da arquitetura de séculos passados. Um pré-requisito fundamental para observar prédios históricos é estar de coração aberto, e ouvidos atentos. Este conteúdo do nosso campo de visão deve cativar o nosso espírito, e demonstrar através de pequenos símbolos, como uma lágrima, que aquele prédio faz parte da nossa vida. Bachelard, em uma de suas obras mais importantes, via essa admiração da imagem como um processo que atingia primeiramente o interior do ser, para assim demonstrar o sentimento no exterior. Ao perceber esta sensação, o observador enquadra-se no seleto grupo que imagina a ambiência da Cidade Moderna como uma sobreposição de paisagens que não são harmônicas, que transforma a cidade velha em um bizarro mosaico arquitetônico ou em um parque de edificações que são consumidas pela natureza e abandonadas pelo ser humano que se considera Moderno. Em Rio Grande é possível observar uma enorme concentração de casas abandonadas em plena área central. Isto prova um envelhecimento e a baixa densidade demográfica da mesma. Não é psicologicamente saudável, nem economicamente racional, um bairro ser construído por inteiro e em poucas décadas ser abandonado ou totalmente reconstruído. Observar edificações abandonadas sugere um esforço maior, pois demanda resgatar a memória do espaço vivido através da oralidade, pinturas, fotografias ou vídeos para termos uma noção de como essa paisagem artificial, consumida pela natureza, atravessa o nosso cotidiano. Temos no Brasil uma noção equivocada de “Ruína”, visto que as casas, não passam de 80, 90 anos de idade, enquanto que, na Europa, por exemplo, são adotados os mesmos padrões de observação para edificações com 500, 600 anos de idade. O espaço fantástico da memória é percorrido ao sermos abordados por personagens da paisagem urbana, que nos ilustra suas experiências com fotografias e relatos, todos recebidos com muito carinho e atenção. Não podemos também esquecer que, numa paisagem urbana, não é apenas a arquitetura que atravessa o nosso cotidiano. Às vezes caminhamos e nem percebemos personagens, eventos e até mesmo animais. Estes eventos, às vezes com personagens atuando, às vezes não, são pequenas crônicas que, somadas, fazem a História de um lugar. Você lembra quem estava sentado na praça ontem? Lembra quem lhe pediu licença no ônibus ontem? Percebeu que o mesmo cachorro está sempre na mesma esquina? Já pensou em perguntar para o pescador se ele precisa de ajuda para retirar o peixe do barco? Você já viu algum pescador tirando peixe do barco? Choveu ontem? Pois é, nem sempre estamos atentos ao que está debaixo do nosso nariz, não damos bola para um emaranhado de cores, movimentos e ritmos que formam a cidade e que vira História. Porque o que aconteceu ontem, nunca mais se repetirá, e talvez se parássemos por alguns poucos segundos e admirássemos pelo menos a maçaneta de uma porta antiga, com certeza nos sentiríamos fazendo parte do cotidiano, agentes da História, e não apenas passivos aos acontecimentos.
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